quarta-feira, outubro 31, 2007

O CULTO DAS ALMINHAS




Alminha de uma casa particular em Manteigas.

Proximo dos velhos caminhos, estradas, ruas, avenidas, veredas, etc., encontram-se com bastante frequência pequenos nichos, ora escavados em granitos, ora em retábulos de madeira, ora em azulejos, onde no geral se representa o purgatório. Chamam-lhe "alminhas", "nichos das almas" ou simplesmente "almas". Estão relacionadas com a crença do Purgatório, onde todas as almas têm que passar para serem purgadas com fogo dos pecados ditos veniais, ou seja, os pecados mais leves. Podendo ser abreviadas através dos sufrágios dos vivos, daí encontrar-se em alguns um pequeno cofre para esmolas e dito associado: Oh vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando, rezai um Pai-Nosso e uma Avé-Maria pelas almas que sofrem no Purgatório."
A crença neste ardente lugar está profundamente ligada ao II concilio de Leão (1124), onde se afirmou dogmáticamente a existência do Purgatório. À cerca das suas origens alguns ligam-nos aos altares Romanos dedicados aos Lares Viales e aos Lares Compitales, erigidos junto aos caminhos e nas encruzilhadas. Vergílio Correia chegou mesmo a chamar às alminhas as "descendentes directas" daqueles altares, isto pelo facto dos dois altares estarem localizados em sitios idênticos. Mas depressa se refutaram todas as teorias relacionadas com os altares Romanos. Uma vez que estes altares simbolizavam génios agricolas, protectores dos campos, das culturas e dos trabalhos rurais. Em seu louvor se costumava erigir altares nos sítios em que duas ou mais propriedades se interceptavam, para que a protecção divina pudesse estender-se a todas simultaneamente. assim, como o lugar do encontro de várias propriedades fica quase sempre numa encruzilhada de caminhos, apareceram os deuses Lares Compitales - "génios das encruzilhadas". Quanto aos Lares Viales, estes apareceram como protectores dos viajantes, pois começaram a ser erigidos nas margens dos caminhos. De génios agrários, os Lares transformaram-se em divindades que defendem os homens do perigo dos caminhos e das encruzilhadas. Outros povos houve que também pediram ajuda a protectores dos caminhos e encruzilhadas, entre eles os gregos que colocavam nos caminhos capelas sob a invocação de Apolo.
Contudo, a igreja dos primeiros séculos preocupou-se em adaptar as antigas crenças ao cristianismo, daí o facto de assimilar muitos monumentos levantados pelos pagãos nos caminhos e encruzilhadas. Dessa morosa substituição, diz Flávio Gonçalves "devem ter nascido as cruzes de madeira e cruzeiros de pedra que naqueles mesmos lugares se observam por toda a Europa ocidental e central - e que em Portugal também apareceram muito antes das alminhas. O simbolo da fé de Cristo ficou a ocupar o lugar dos altares do paganismo". Segundo o mesmo autor, todos estes cruzeiros são de facto muito mais antigos que as alminhas, pois vieram substituir claramente os Lares, daí terem sido colocados em locais idênticos e com a mesma função. Quanto às alminhas, pois não têm qualquer ligação directa com o culto praticado entre os latinos, embora haja alguma semelhança entre a localização dos monumentos. Mas os altares dedicados aos Lares tinham como intenção a protecção dos campos e dos viajantes, enquanto que as alminhas apenas pedem a oração dos que por elas passam, em favor das almas do Purgatório.

Muito havia ainda por dizer, por exemplo, sobre a simbologia da encruzilhada, sobre o lendário popular em torno das almas penadas, sobre os prantos que lhes cantam nas escuras noites da Quaresma e que tão bem estudou Margot Dias (encomendação das almas), sobre a simbologia do próprio retábulo, sobre o culto actual, etc...

Referências bibliográficas:

Chambino, Eddy (2002), O culto das almas expresso na religião popular: uma viagem pelas crenças e supertições em torno das almas", Lisboa, FCSH-UNL,Tese de licenciatura.
Correia, Virgilío (1937), Etnografia artística.
Gonçalves, Flávio (1959), Os Paineis do Purgatório e as Origens das "Alminhas" Populares, Matosinhos.

terça-feira, outubro 30, 2007

Cont. NOITE MAGICA


Jovens cavaleiros, noite de S. João, Rosmaninhal 2007.

A fogueira de "rosmanos", noite de S. João, Rosmaninhal 2007.

Um cavaleiro audaz, noite de S. João, Rosmaninhal 2007.

A coragem, noite de S. joão, Romaninhal 2007.

Martinho, o alferes festeiro, Rosmaninhal 2007.

domingo, outubro 28, 2007

A FESTA DO FOGO: A NOITE MAGICA DE S. JOAO NO ROSMANINHAL


Rosmaninhal, S. João 2007.

"Ai, meu lindo S. João,
Meu ramo de rosmaninhos,
Dá saúde ao nosso alferes
E também aos seus padrinhos"

A chegada do solstício de verão (24 de Junho) foi desde tempos ancestrais celebrada de forma orgíaca. A noite mágica de 23 para 24 de junho é uma "noite aberta", pois a ordem das coisas pode ser perfeitamente alterada. Nesta noite tudo pode acontecer, "todas as plantas e todas as águas são sagradas". Devido à intensa comunicação cósmica gerada, os espiritos podem despretar e para os afunguentar queimam-se ervas aromáticas junto às casas.
Na aldeia do Rosmaninhal (Idanha-a-Nova) celebra-se um dos mais interessantes rituais em torno deste fogo cósmico. Ainda com o sol no limite das suaves linhas alaranjadas do horizonte começam a ouvir-se pela calçada das ruas o som das arcaicas ferraduras que convergem na direcção da casa do alferes. São cavalos, éguas, machos e burros que desfilam sob o olhar atento e alegre das gentes mais idosas, as mulheres gritam "Viva o S. João, viva os festeros". E, assim, em jeito de procissão, desfilam o alferes e os padrinhos à frente e os restantes cavaleiros atrás. Pelo caminho saltam as fogueiras aromáticas, desafiam o fogo com a bravura de antigos guerreiros e do alto das bestas esboçam dos rostos corados a expressão da verdadeira herança ancestral, dominar a besta e o fogo.

"Viva o S. João, viva os festeros"

(Agradeço a simpatia e a humildade do alfares Martinho e seus familiares, ajudantes e noctívagos "rosmaninheros" por esta magnifica festa cósmica)

quarta-feira, outubro 24, 2007

A estranha vida dos objectos usados




Interrogar-nos sobre a "vida social" ou "biografia cultural" das coisas, colocando a intersubjectividade entre humanos e o mundo material como um dos principais pilares para a compreensão deste planeta.
Porque os objectos são também acções, intenções, desejos, tristezas, angustias, interesses e propositos recíprocos da vida social humana.

quarta-feira, outubro 17, 2007

segunda-feira, outubro 15, 2007

A Linguagem das Portas




Em Albarracin (Espanha) existe uma arte em ferro referente à simbologia das portas (aldrabas, batentes, pegas, etc). Tornando-se mesmo num dos patrimónios mais divulgado nos folhetos turisticos da região.


Sobre a linguagem das portas consultem:

- http://aaldraba.blogspot.com/
-http://portasdomundo.blogspot.com/

sábado, outubro 13, 2007

ALDEIA DE POMAR


Uma das poucas casas que ainda persiste.


Uma das ruas do lugar.


Ti Patrocinia.

Nos limites de Monsanto, já situado nas faldas da serra, fica localizado um dos povoamentos agro-pastoris mais remotos desta área do concelho. O lugar denomina-se Pomar, alguns chamam-lhe mesmo aldeia de Pomar. Segundo os documentos históricos, em 1944 este lugar tinha 74 habitantes, possuindo igreja e cemitério próprio. Hoje é um lugar vazio, demasiado vazio. Restam apenas três habitantes, a Ti Patrocinia é a habitante mais antiga, têm 89 anos, nasceu neste local onde ainda persiste em não o abandonar. À minha chegada, fui encontrá-la de foice na mão, a cortar erva. Depois de me dizer que os outros dois habitantes "andavam a trabalhar", convidei-a a sentar-se um bocadinho ao sol e pedi-lhe que me falasse deste remoto lugar, ao que me respondeu com um enorme sorriso:

"Isto aqui, intigamente havia cá 24 casais, ou mai, hoje só cá estou eu e o Zé António mai a mulher. O mê pai era do Salvador, chamava-se Francisco Marmelero e a minha mãe era daqui, chamava-se Maria Antónia. Eramos cinco irmãs, só cá estou eu e uma irmã que está ali em Monsanto. Isto tinha cemitério e igreja.

(Fala das dádivas que um homem uma vez lhe trouxe e da ajuda da vizinha)

"Isto é uma dádiva florida. A minha vizinha dá-me tudo o que me faz falta. ela tem horta e tem tudo. O marido anda no corte (egalipos). Tem cinco cabras, dá para fazer o queijo."

(Fala das visitas que vai recebendo)

"Esteve aqui um estudante a terer fotografias e estava a carujer (chover) e ele não sabia o que queria dizer, não sabia nomear. Atão a gente que anda a estudar não sabe ver o astro?" (refere-se à previsão do tempo)

(Depois de algumas horas a viajar pelas infinitas histórias da Ti Patrocinia, despediu-se com o mesmo sorriso com que nos recebeu)

BEM HAJAS, TI PATROCINIA

quinta-feira, outubro 11, 2007

AS POTENCIALIDADES DA AGRICULTURA BIOLÓGICA: COLÓQUIO NO CENTRO CULTURAL RAIANO



É urgente reflectirmos todos em geral sobre a temática dos produtos biólogicos, e em particular as zonas rurais, pois é precisamente aqui onde as potencialidades são inúmeras. Basta de culturas que seguem os modos ditos capitalistas, onde apenas e exclusivamente o lucro interessa. Danificando a terra, alterando os ciclos biólogicos normais dos alimentos e consequentemente os seres humanos que os consomem. Não sei mesmo, se o indice de doenças cancerigenas não seja uma consequência directa deste processo de capitalização da agricultura e seus derivados. Pois não existem estudos comparativos, estudos a uma escala micro..
Em Espanha, por exemplo, circula uma campanha institucional acerca dos produtos biológicos cujo o slogan diz o seguinte: "Agricultura Ecológica. Vívela". Isto porque, segundo um semário, a maioria das pessoas conhece e valoriza os alimentos bio, mas só uma quarta parte os consome alguma vez. Não seria benéfico se as escolas desde os infantários até às universidades apenas permitissem nas suas cantinas produtos bio??? é claro que aqui se equacionam os custos, mas se o Estado garantir um apoio, mais e melhor estruturas surgirão. E aqui, os meios rurais terão um papel capital, pois são eles que detêm as melhores condições para o desenvolvimento destas pequenas e tão prósperas "manufacturas" artesanais.
O concelho de Idanha-a-Nova têm enormes potencialidades nesta área, têm um saber-fazer milenar associado às hortas, têm um território diversificado, extenso, têm um conjunto de infraestruturas ditas tradicionais inoperativas que podiam servir de plataformas de excelência no capitulo das tão divulgadas "arquitecturas sustentadas", etc, etc. Tudo isto está infelizmente no limiar da sua existência. Porém, não será necessário dramatizar, procurar discursos ansioliticos e angustiantes acerca do desaparecimento das coisas, pois elas são o fruto do devir das próprias sociedades, nenhuma sociedade é estática, todas têm o seu complexo processo de mudança. Se procurarmos entender melhor as mudanças nas sociedades talvez seja mais fácil encontrarmos as soluções mais simples. Daí que a promoção destes encontros em torno de temáticas que se revelam centrais para o desenvolvimento dos meios ditos rurais, sejam de uma importância capital!!

Deixo uma máxima: "Está na hora de começarmos a comer melhor??

terça-feira, outubro 09, 2007

"CHAVES DE SILVAS E DE ESTRELAS: CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO DE CHAVELHAS DO NÚCLEO MUSEOLÓGICO DO SALGUEIRO"



Integrado na festa da memória pastoril transumante, a Câmara Municipal do Fundão, inaugurou na aldeia do Salgueiro uma exposição dedicada aos fechos - chavelhas ou trasgas - das coleiras dos gados.
Objectos interessantes, que da mera funcionalidade de fechar o colar do chocalho, adquiriam, igualmente, o signo de adorno, individualizando os inúmeros sentimentos de carinho e afecto que o pastor-artista tinha pelos seus animais. Por todo o mundo pastoril se conhecem. No contexto transumante, remetem-nos, frequentemente, para as sistemáticas trocas culturais entre os dois territórios - Serra/Campo. São conhecidos alguns exemplos de pastores transumantes que trocaram "chavelhas" serranas por "trasgas" do campo e vice-versa.

Agradeço à Câmara Municipal do Fundão, em especial ao Mestre Pedro Salvado, a solicitação de um pequeno ensaio da minha autoria, onde são equacionadas algumas questões que se revelam centrais para a compreensão do estudo destes objectos ditos "quotidianos".

BEM HAJAM

quarta-feira, outubro 03, 2007

Paisagens Nómadas



"Percorro a estrada molhada e ao longe avisto um rebanho estático na paisagem, acompanhado pelo seu pastor. Fixo o momento, abrando os descontraidos passos e aponto a máquina fotográfica para a imensidão verde. Continuo a minha direcção oca e o rebanho conjuntamente com o pastor permanecem ali, estáticos, como se o tempo não existisse, como se a vida os tivesse esquecido, como se fossem meros personagens de um bucólico quadro - seriam mesmo??" - Eddy Nelson "Fragmentos liláses"

segunda-feira, outubro 01, 2007

Palavras de Aquilino...



"... Olhem sempre em frente, olhem o Sol, não tenham medo de errar, sendo originais, iconoclastas e anti, o mais anti que puderem, e verdadeiros, fugindo aos velhos caminhos trilhados de pé posto e a todas as conjuras dos velhos do Restelo. Cultivem a inquietação como fonte de renovamento"

(Aquilino Ribeiro, palavras proferidas na homenagem que lhe foi prestada na Sociedade Portuguesa de Escritores – citado por António Valdemar, Expresso-Actual, 15 de Setembro 2007, p. 12)